🚞 observações ⌚️🎒💭👩🏼‍🎤

Ontem um senhor já beirando os 70 entrou no vagão do trem que eu estava, ele pedia esmola. Suas rugas pareciam brigar há anos por espaço em sua testa. Suas mãos calejadas, unhas sujas, cabelos sebosos. É entendível – eu pensei – dormir num chão gelado durante as quatro estações do ano, banhar por conta própria quando e onde puder, subir, descer escadas de estações sem expectativas de mudanças, e ter que fazer de um vagão o seu palco não é nada fácil. O senhor continuou pedindo esmolas para os passageiros.

Movia devagarzinho. Sua calça de moletom preta estava meio rasgada, manchada de barro e ao meu parecer, gotas de óleo em algumas partes. Aquelas manchas difíceis de sair. Sua blusa carregada de um odor misturado com anos de profunda solidão. Sua mochila, em pedaços; o Zíper nem fechava apropriadamente, encontrava-se quebrado e por algum motivo, haviam varias sacolas diferentes dentro da mochila. Até que uma mulher do meu lado se simpatizou com a causa e lhe deu algumas moedas.

Também havia um casal bem vestido a minha frente, já beiravam os 70 anos. O senhor vestia terno, sua gravata combinava com o tom do azul do paletó e um detalhe na camisa branca. Seu relógio, qual fizera uso várias vezes durante esse meu tempo de observação, parecia custar uma vida. Literalmente, pois era cheio de brilhantes e detalhes prateados, o brilho do vagão. Sua esposa vestia uma saia de seda, blazer de linho. Seus punhos expunham uma perfeita vitrine de jóias. Eles se entreolhavam como se aquele senhor, morador de rua, mais ou menos uns 10 anos mais velho, estivesse errado em pedir esmola. Talvez se sentiram intrusos num show qual seus valores não poderiam ajudar no parcelamento dos ingressos. Talvez se sentiram privilegiados demais para se quer doar um sorriso de canto para aquele pedinte. Talvez estavam apenas tendo um dia ruim.

Nessa mesma parcela de tempo, um homem vestido de mulher sentou-se ao meu lado. Não era época de carnaval. Ele estava muito perfumado. Cabelos longos, lisos e grisalhos. Tinha um ar de responsável.

Eu, continuava dividida entre leituras. Ele também, imerso na literatura que seus dedos apalpavam. Seus olhos pareciam saborear um grande e delicioso cardápio de palavras daquele livro.

Até que nessas oscilações filosóficas e temporais percebo que minha minha perna direita encostou e acabou escorando-se na sua. Lentamente a removi, um pouco sem jeito, sabia que tinha sido o cansaço do meu corpo que, de forma natural, encontrou um ponto de descanso. Deixando sua interessante leitura por um segundo, ele solta um sorriso para mim, aqueles de agradecimento pelo respeito alheio. Sorri de volta pensando ‘’Se todos os homens fossem assim!’’ Refletindo que outros homens quando sentam abrem as pernas como se suas anatomias humanas fossem iguais a de um sapo. Bem arreganhadas, importunando a vida alheia.

O senhor necessitado, passando a minha frente, deixou um sorriso de canto pelas moedas recebidas. Deu para ver seus dentes amarelados refletindo gratidão.

Uns lutam contra a fome.

Outros contra status.

Outros contra espaço.

Eu, contra a rotina.

Observações, Ticiele de Camargo 2019©️

Mais Amor Por Favor Lisboa 2018 + Love Please. TC©️ Lisbon, 2018.