Estava no trem voltando do trabalho. Sentei ao lado de dois rapazes, barbudos, talvez beirando a casa dos 40 já. Jaquetas de couro. Estilo esse caras “fortão” mesmo, como diz em algumas partes do Brasil, “cabra macho”. Até que, alguns segundos antes de colocar meus fones no ouvido, dei conta da conversa que muito me agradou. O barbudo do meu lado dizendo, de forma calma em sua voz grossa e baixa:
⁃ as coisas vão melhorar, cara, basta você olhar lá na frente, sabe?
disfarcei um pouco, olhei para o rosto do outro rapaz. Estava centrado, seus olhos cheios de lágrimas. Ele ouvia pacientemente as palavras do amigo que continuava:
⁃ tá vendo esse quadrado aqui? (e desenhou no ar um quadrado) … você está dentro dele e seus problemas também. Você precisa entender que ambos não poderão dividir esse espaço pra sempre. Abra um espaço (no quadrado, desfazendo de um dos lados do desenho no ar) e se livre do problema.
Do reflexo do vidro do trem, a minha frente, via o ouvinte apenas concordando com a cabeça. E então ficaram ambos em silêncio por um tempo. O que aconselhava passou a observar as suas unhas, meio sujas, e suas mãos com gotas de tinta branca. Mãos calejadas. E o ouvinte, apenas olhava para suas botas pretas, carregadas de barro.
Depois de algumas paradas e ainda cabisbaixo, o ouvinte se levantou, ajeitou a mochila nas costas, agradeceu com o olhar e desceu do trem.
Fiquei grata em não ter colocado os fones de ouvido. Me fez refletir:
Quantos e quantos homens, barbudos com pinta de fortão não passam por nós, disfarçados de coragem, força e determinação? Quantas e quantas mulheres não se cobrem de maquiagem e roupas do momento, mascarando suas dores e medos? Quantas e quantas vidas precisarão sofrer caladas para que finalmente despertemos e tenhamos sensibilidade? Temos que lutar por eles e com eles, para que não se desfaleçam, para que não desistam de suas vidas, de seus sonhos. Quantos silêncios submersos em angústias e gritos de desespero, almas feridas não se passam, TODOS os dias por nós?
Não é necessário termos um olhar clínico para sensibilizarmos com o sofrimento alheio. Só é necessário nos colocarmos no lugar do próximo e liberarmos uma palavra de ânimo. Podemos não saber exatamente o tamanho da dor, do medo, do trauma daqueles que pisam por onde pisamos. Podemos não conhecer as causas. Mas conhecemos a bondade, o amor e esses são maiores para vencer o mal. E somos capazes de levantar pessoas com palavras e atitudes que aliviam. Abraços que renovam e conselhos que iluminam.
Como o rapaz cabisbaixo precisava de uma ajuda, seu companheiro se sensibilizou. E de forma simples, o ajudou a terminar o seu dia com mais ânimo. Talvez o dia não terminasse assim para ele.
Nós somos a resposta e carregamos todos, a imensa responsabilidade de amarmos o próximo como nos amamos. É desafiante, triste e fácil de acreditar. Mas não temos mais tempo a perder. Ou então vidas se perderão. Nós precisamos agir.
❤️🙏🏼 😇
Ticiele de Camargo ©️ 2019.
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